segunda-feira, 3 de junho de 2013

Evoluir não é elitizar

Post originalmente publicado no blog À Sombra dos Eucaliptos

Quem me conhece – e até quem não me conhece – sabe que não sou muito ligado a sensos comuns. Não gosto do óbvio, desconfio do que todo mundo diz por dizer, tenho uma série de convicções que vão contra a maré em assuntos como pena de morte, redução de maioridade penal, governos e, claro, o que interessa aqui, esporte.

Sou daqueles que não me oponho a realização da Copa do Mundo no Brasil. Sou dos que veem potencial para coisas importantes acontecerem –e vê algumas delas acontecendo mesmo – com um evento como esse. Acho que essa reformulação dos estádios é positiva para o esporte brasileiro (ok, sei que vai se abrir a discussão sobre superfaturamento, necessidades sociais, mas não é isso que coloco em pauta, não agora).

Minha preocupação: os estádios, por si só, não vão garantir a revolução da profissionalização mágica dos nossos clubes, embora as direções pareçam acreditar nisso. A inflação de ingressos para algumas partidas de inauguração me preocupa, e nem é só porque cria um artificialismo de público. A partida entre Santos e Flamengo , na inauguração do Mané Garrincha, foi simbólica. Faturamento recorde, mas uma apatia notória nas arquibancadas. Um estádio bonito, sem dúvidas, mas para quem? E quando?


Atenho-me ao Internacional. O que pensamos do novo Beira-Rio? Quando custará o ingresso? E o refri? E o estacionamento? Profissionalização na gestão não pressupõe, obrigatoriamente, elitização dos acessos, ao contrário do que parte dos cartolas no futebol pensa. A busca distinta deve se dar a partir do acesso a melhores serviços, e ainda assim, com diferentes padrões para diferentes públicos.

A evolução pressupõe melhorar, ou ao menos assim entendo. E não devemos traduzir isso como restringir acesso dos eventos (porque sim, o jogo precisa se transformar em um evento) a públicos que possam pagar mais. Se somos o Clube do Povo, e somos (basta ver o respaldo da nossa história e a configuração plural da nossa torcida), melhorar demandará ter um estádio melhor, um marketing melhor, uma gestão melhor, um futuro melhor.

Alguém dirá que o que é melhor custa mais, dentro da lógica injusta do capital. Sim, é verdade. É uma linha tênue acomodar tudo. Não sou romântico, idealista ou cego. Mas não vejo como impossível pensar que possamos traçar diferentes estratégias para diferentes partidas, diferentes produtos, diferentes modalidades de sócio (já temos, embora de forma um tanto desorganizada, é louvável) e diferentes possibilidades dentro dos cenários que se avizinham.

Já que a palavra do século é sustentabilidade, não me parece sustentável pensarmos em um estádio novo com ingressos a R$ 100 ou R$ 200 UM JOGO DEPOIS de eles custarem R$ 10 (final do candangão). Não me parece sustentável inflacionarmos substancialmente a mensalidade para subsidiar nossa nova arena sob pena de aumentarmos ainda mais o funil de acesso dos nossos torcedores. Não me parece sustentável simplificar evolução como entregar estádios no padrão Europa e cobrar um contexto equivalente em uma realidade completamente distinta.


Recorrentemente, vejo comparações quanto à condução econômica do Brasil com realidades paralelas nos Estados Unidos ou Europa. Acho equivocado, sobretudo porque temos uma realidade histórica, social, econômica, cultural MUITO particular para tentar reproduzir algo tão distante. Na final da Champions, vi muitos fazerem referências desprezando o potencial do Brasil fazer algo igual. Não acho que deva. O Brasil deve fazer algo com a própria marca, encontrar a própria identidade, INCLUSIVE para adequar-se aos novos tempos do futebol, das arenas, dos eventos. Assimilar nosso perfil de torcedores (e sem essa de generalizar o todo por causa de um ou cinco) e trabalhar para inseri-lo dentro da nova realidade.

Não tenho a fórmula mágica para fazer essa transição. Se tivesse, provavelmente estaria ganhando algum dinheiro com isso. É a máxima do não sei exatamente o que fazer, mas sei exatamente o que não fazer. E criar estádios para torcidas artificiais é o que não fazer. Na hora de pensarmos nosso novo Beira-Rio, pensemos em quem somos. E em quem queremos ser. Antes de ser Campeão de Tudo, eu sou do Clube do Povo. E assim quero continuar.


Tércio Saccol
Colorado, desde sempre e para sempre. Jornalista, especializado em gestão e economia. Professor universitário. Escreve regularmente no blog À Sombra dos Eucaliptos do FinalSports.

Twitter: @tercio
Facebook: tercio.saccol

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabenizo-te pela preocupação e ilustração. Eu, como torcedor XAVANTE (G.E. BRASIL de Pelotas), vejo, também, como consequência da possível "glamourização" dos grandes clubes, o término dos menores, que MUITO contribuíram com os ditos grandes. Recentemente presenciamos (via TV), conforme relato do comentarista, um jogo (decisão 1° turno da segundona) dos mais fracos tecnicamente, mas um espetáculo único de 2 torcidas autênticas e apaixonadas (referindo-me, também, a do São Paulo de Rio Grande) que vivem, ainda, as sensações proporcionadas pelo "pseudoprofissionalismo" da situação de seus clubes. Não que eu não queira que nossos clubes não sejam profissionalizados, mas torcer exige paixão, amor e isso o dinheiro não compra (na real, o espetáculo é também da torcida e não só do jogo em si, como querem as gestões dos ditos grandes e futuros clubes). Estádios futuros sustentáveis com corpo, mas sem alma...no livro " A bola não entra por acaso" há a explicação para toda essa lógica que vocês colorados deverão preocuparem-se e nós Xavantes, também. Não haverá a possibilidade de revivermos as alegrias locais que, ainda que pequenas, permitem um bairrismo e reforço da identidade incomparáveis. Um grande abraço. José Ricardo (XAVANTE)

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